Reflexões sobre a Avaliação na Escola Organizada por Ciclos de Formação Humana em Mato Grosso
Sara Cristina Gomes Pereira[1]
Percebendo que nosso estar no mundo é repleto de aprendizagens e reconhecendo que o saber cotidiano transformar-se-á em saber científico e que este processo deve ser acompanhado de avaliação contínua e entendendo também que a educação é uma forma de intervenção no mundo e que a orientação escolar deverá contemplar a totalidade dos envolvidos neste processo, a Escola Organizada por Ciclos de Formação Humana no Estado de Mato Grosso, prevê novas formas de avaliação da aprendizagem não mais focada no que as instituições de ensino, os educadores e os educandos não conseguiram aprender, sobretudo naquilo que durante o desenvolvimento escolar conseguiram construir. Este texto busca fornecer reflexões a cerca de que a avaliação seja uma possibilidade metodológica de ensino e não mais uma finalidade a ser utilizada ao final dos processos escolares.
Continue lendo...
Neste sentido, Renata Cristina Cabrera em seu livro Docência e Desespero: Avaliação da Aprendizagem na Escola Ciclada em Mato Grosso, em 2006 descreve a real dificuldade dos profissionais da Educação não só em entender as diferentes possibilidades de avaliações bem como qual a prática avaliativa mais adequada à escola ciclada no Estado de Mato Grosso. Na apresentação de seu livro Antonio Carlos Maximo diz, “... com relação às formas de avaliação a que são submetidas às crianças... não há outro caminho senão investir forte e continuadamente na formação dos professores, pois ninguém pode realizar um trabalho pedagógico para o qual não se teve formação”.
Ao discorrer sobre as teorias da avaliação da aprendizagem, a autora destaca a idéia de avaliação, como mensuração por meio de testes padronizados, introduzidos no Brasil na década de 30, segundo a autora até a década de 50, a avaliação sofreu forte influência da Psicologia, porém nos anos 60 e 70 sofreu influência do tecnicismo, cujo maior pressuposto era a racionalização do trabalho já a partir da década de 80, se sobressai os estudos que denunciam as práticas avaliativas de natureza seletiva e classificatória, em 1984, no XVI Seminário Brasileiro de Tecnologia Educacional, aprofundam as reflexões feitas no XIV seminário e propõe a avaliação diagnóstica a favor da democratização do ensino.
Neste sentido percebe-se que a temática da avaliação perpassa quatro gerações, sendo que na primeira a avaliação era tida como sinônimo de medida, na segunda, a descritiva, os resultados obtidos eram relacionados com objetivos estabelecidos, na terceira, a ênfase cai na formulação de juízo de valor, já na quarta geração, releva-se a negociação, abrangendo aspectos humanos, políticos, sociais, culturais e éticos.
Já nos anos 90 a ênfase nos estudos sobre avaliação recai sob os vários aspectos do processo, devendo ser levado em consideração não apenas a dimensão cognitiva, mais a social, a afetiva, os valores, as motivações e até mesmo, a própria historia de vida, para tal, várias vertentes são chamadas a tratar do tema desde a sociologia, até a psicologia e a pedagogia. Sendo assim duas vertentes se firmam nos estudos sobre avaliação uma que se caracteriza pela ênfase na racionalidade e objetividade do processo avaliativo e a outra que considera além dos aspectos quantitativos também os aspectos qualitativos, considerando não só o produto das aprendizagens, mas também a forma como essa vem se dando.
Neste sentido a autora cita Demo (1995) que diz: “... por mais que possamos admitir qualidade como algo mais e mesmo melhor que quantidade, no fundo uma jamais substitui a outra, embora seja possível preferir uma à outra.” Percebe-se então que quantidade e qualidade fazem parte de um mesmo todo. Para Demo (1995) a avaliação pautada em uma concepção formativa, que se preocupa com o percurso da aprendizagem individual, e que toma o erro pedagogicamente, como objeto de avaliação não somente do aluno, mas também como indicador para se rever sua metodologia de ensino e ou instrumentos de avaliação se configura como avaliação qualitativa.
A avaliação segundo a autora não é uma pratica neutra, é um ato político e está a serviço da sociedade que a mesma esta inserida, neste sentido Ohlweiler (1997) diz: “a avaliação da aprendizagem, não sendo um processo neutro, está vinculada a uma ideologia político-social”.
E neste sentido Vasconcellos (2000) discute a lógica dos absurdos que tem se constituído as praticas pedagógicas, especificamente as praticas avaliativas o autor faz a seguinte reflexão:
No principio era o caos. Um dia, o professor descobriu que podia mandar o aluno para fora da sala de aula, que a instituição cuidava de ameaçá-lo com a expulsão. Mais tarde um pouco, descobriu que tinha em mãos uma arma muito mais poderosa: a nota. Começa a usá-la, então para conseguir a ordem no caos. O caos se fez cosmos, o maldito cosmos da nota (idem, p.15)
Segundo Vasconcellos esta prática avaliativa está pautada em um modelo autoritário a serviço de uma política socioeconômica tradicional-liberal, garantindo a manutenção de uma prática excludente. E neste sentido para que a avaliação venha ser instrumento de inclusão, é preciso compreendê-la como processo de uma engrenagem maior que chamamos de educação escolar.
Para vários autores como Perrenoud (1999), Werneck (1996), Vilas Boas (2003), Bloom (1983) dentre outros a avaliação formativa corresponde o modelo ideal seguindo a lógica da atual sociedade a medida que haja um rompimento com práticas avaliativas tradicionais, arraigadas na alma do professorado e no sistema de ensino, embora tal rompimento não seja tarefa simples, pois trata-se de rever e re-significar mais de um século de práticas educacionais excludentes, além de superar barreiras como a má formação profissional, baixos salários e o descrédito na profissão do magistério.
Segundo Hadji (2002) “a avaliação formativa se apresenta hoje como um combate diário, o que necessitamos hoje, em termos de avaliação, é a construção de um olhar reflexivo, consciente e sensível do educador, que como tal, só pode ser curioso e indagativo”.
Embora a avaliação seja um dos nós da educação Brasileira, segundo a autora uma transformação em todo o sistema escolar se faz necessário, de modo que a avaliação da totalidade da escola seja colocada em evidência, para que questões, como a avaliação da aprendizagem dos alunos, estejam em consonância com projetos educativos da escola.
A escolha dos instrumentos de avaliação não pode ser aleatória, devendo estar atrelada ao planejamento de ensino e aos objetivos que se pretende alcançar. É preciso que o professor tenha clareza sobre: como, quando, para quem e para que avaliar, se o interesse é verificar não somente o produto das aprendizagens, mas também o decorrer de todo o processo, a articulação de vários instrumentos se fazem necessários como, por exemplo: o caderno de campo, a auto-avaliação, o mapa conceitual, o portfólio ou pasta avaliativa, a observação, a entrevista, as provas, as discussões coletivas, o conselho de classe, dentre outros.
Propor a substituição da nota pelos pareceres descritivos e relatórios de desempenho, é dar um salto qualitativo na compreensão e interpretação do fenômeno da construção do conhecimento, é compreender o aluno como ser único, que não pode ser julgado e avaliado com parâmetros que não sejam relacionados às suas características.
Reconhecendo que os atuais professores não receberam formação acadêmica nos bancos das universidades, para um trabalho como o proposto pela organização curricular por ciclos há de se viabilizar então formação continuada em serviço para tal prática.
A escola organizada por Ciclos se depara com alguns mitos como o da Reprovação, segundo depoimento de algumas professoras analisadas por Cabrera (2006), o medo da reprovação é o que motiva o interesse do aluno em estudar argumentando que “se eles sabem que não são mais perseguidos pelo fantasma da reprovação, não se interessarão mais, igualmente pelos estudos”. Para a autora, essa preocupação reflete as distorções acumuladas historicamente e as bases equivocadas do sistema: a incapacidade de envolver o aluno no processo educativo, por ele mesmo, e não por ameaça de alguma punição, como no caso a reprovação.
Muitos professores não classificam e selecionam o aluno porque é um tirano, um ditador. Na maioria das vezes, seleciona, reprova, em nome de uma suposta qualidade do ensino, em muitos casos, chega a afirmar que faz isso em prol do beneficio do aluno, argumentando que: “ na vida, serão cobrados... irão fazer testes seletivos... tem um vestibular para enfrentar”. Vemos neste discurso os pressupostos do individualismo, da sociedade calcada na competição. De qualquer modo, o que antes era tido como natural, agora passa a incomodar, ainda que de forma tênue, ao descrever as estratégias de avaliação utilizadas para superar as dificuldades que os alunos apresentam, o professor tem elementos para repensar sua prática pedagógica e refletir sobre o desempenho dos alunos entendendo que outros fatores deverão ser considerados.
O ponto de partida e principal em questão, não é simplesmente, eliminar legalmente a reprovação, mas lutar para que os professores se comprometam com a aprendizagem efetiva de todos, segundo Vasconcellos (1998, p.114), “antes de acabar com a reprovação na legislação, é preciso acabar com ela na cabeça dos educadores”.
Para Cabrera (2006), ainda há de se percorrer um grande caminho, para que as práticas avaliativas não estejam centradas na simples verificação de conteúdos assimilados, e passem a ser instrumentos para diagnosticar possíveis inferências durante todo o processo ensino-aprendizagem.
Para Fernandes & Freitas (2008), avaliação é uma atividade que envolve legitimidade técnica e legitimidade política na sua realização. Entretanto, o professor deve estabelecer e respeitar princípios e critérios refletidos coletivamente, referenciados no projeto político pedagógico, na proposta curricular e em suas convicções acerca do papel social que desempenha a educação escolar. Para os autores a avaliação é responsabilidade de todo o coletivo escolar. Assim sendo o professor não deve se eximir de suas responsabilidades do ato de avaliar as aprendizagens de seus estudantes, assim como os demais profissionais, em conjunto com professores e estudantes deverão participar das avaliações acerca dos demais processos no interior da escola, ressaltando a importância do estímulo à auto-avaliação, tanto do grupo, quanto do professor.
Os autores argumentam que em nossa cultura meritocrática, o uso das notas tem por finalidade classificar os melhores e piores durante o processo, sendo que os piores percorrerão o mesmo caminho novamente ao longo do período de estudos, sendo assim avaliar, para o senso comum, aparece como sinônimo de medida, de atribuição de um valor em forma de nota ou conceito, porém os professores têm o compromisso de ir além do senso comum e não confundir avaliar com medir.
Sendo assim notamos que avaliação é uma atividade orientada para o futuro. Medir refere-se ao presente e ao passado, ou seja, avaliar refere-se à reflexão sobre as informações obtidas com vistas a planejar o futuro, portanto, medir não é avaliar, embora o mesmo faça parte do processo. Avaliar a aprendizagem do estudante não começa e muito menos termina quando atribuímos uma nota à aprendizagem.
A avaliação, portanto é uma das atividades que ocorre dentro de um processo pedagógico, que inclui formulação dos objetivos da ação educativa, na definição de seus conteúdos e métodos, entre outros. A avaliação, portanto, sendo parte de um processo maior, deverá ser usado no sentido de acompanhamento do desenvolvimento do estudante. Quando a avaliação acontece ao longo do processo, com objetivo de reorientá-lo, recebe o nome de avaliação formativa e quando ocorre ao final do processo com a finalidade de apreciar os resultados, recebe o nome de avaliação somativa, percebemos que tais avaliações têm objetivos diferenciados.
Embora saibamos da possibilidade de avaliar para classificar ou selecionar, excluindo o educando durante o processo escolar, poderá optar por uma avaliação cuja lógica é a da inclusão, do diálogo, da construção da autonomia, da participação, da construção da responsabilidade com o coletivo. Essa concepção de avaliação parte do princípio de que todas as pessoas são capazes de aprender e de que as ações educativas, as estratégias de ensino, os conteúdos das disciplinas devem ser planejados a partir dessas infinitas possibilidades de aprender dos estudantes. Embora entendamos que os estudantes aprendem de varias formas, em tempos nem sempre homogêneos, a partir de diferentes vivências pessoais e experiências anteriores, sendo assim devemos entender a avaliação como promotora desses princípios, cujo papel é de auxiliar professores e estudantes a compreender de forma organizada os processos de ensinar e aprender.
Se entendermos que a escola, não é apenas um local onde se aprende a construir determinado conteúdo escolar, mas um espaço onde se aprende a construir relações com as “coisas” (mundo natural) e com as “pessoas” (mundo social). Essas relações devem propiciar a inclusão de todos e o desenvolvimento da autonomia e auto-direção dos estudantes, com vistas a que participem como construtores de uma nova vida social. Para tal é fundamental transformar a prática avaliativa em prática de aprendizagem, é necessário avaliar como condição para a mudança de prática e para o redimensionamento do processo de ensino/aprendizagem, sendo assim avaliar faz parte do processo de ensino e de aprendizagem, não ensinamos sem avaliar, não aprendemos sem avaliar. Dessa forma, rompe-se com a falsa dicotomia entre ensino e avaliação, como se esta fosse apenas o final de um processo.
Ao avaliar deveremos ter em mente que, em nossa prática, não estamos avaliando nossos estudantes e crianças, mas as aprendizagens que eles realizam. Neste sentido alguns aspectos deverão ser contemplados nos instrumentos de avaliação como a linguagem a ser utilizada, a contextualização daquilo que se investiga, o conteúdo deve ser significativo, coerência com os propósitos do ensino, explorar a capacidade de leitura e de escrita, instrumentos que podem ser utilizados ou construídos com a finalidade de acompanhar a aprendizagem.
O profissional, que trabalha na perspectiva da avaliação formativa, não estará preocupado em atribuir notas aos estudantes, mas em observar e registrar seus percursos durante as aulas, a fim de analisar as possibilidades de aprendizagem de cada um e do grupo como um todo, podendo planejar e re-planejar as possibilidades de intervenção junto às aprendizagens dos estudantes. Lembrando sempre que os envolvidos no processo de avaliação deverão ter clareza sobre o que é esperado deles para viabilizar a auto-avaliação.
Tendo em vista os pressupostos acima citados, bem como o Parecer Orientativo do Processo de Avaliação na Escola Organizada por Ciclos de Formação Humana em Mato Grosso, a Equipe do Cefapro polo Sinop-MT, mediante a um diagnóstico solicitado às escolas no início do ano letivo, o qual revelou a necessidade de aprofundamento sobre essa temática.
É nesse sentido que nós, profissionais desta instituição temos nos empenhado em construir com o coletivo de profissionais da Educação desta região uma concepção de avaliação processual, diagnóstica e formativa, considerando que esta forma de avaliar permite aos envolvidos no processo perceber que a avaliação seja considerada um instrumento de construção de conhecimento, bem como possibilidade de aprendizagem, reconhecendo também que essa temática é fonte inesgotável de pesquisa e discussões, sendo necessário oportunizar esses momentos junto aos profissionais da educação.
FONTES DE CONSULTA
CABRERA, R. C. Docência e Desespero: Avaliação da Aprendizagem na Escola Ciclada. Brasilia: Liber Livro Editora, 2006. 189p.
FERNANDES C. de O; FREITAS, L. C. Indagações sobre o currículo: Currículo e Avaliação. Brasilia: MEC, 2008. 44p.
--------------------------------------------------------------------------------
[1] Licenciada em Letras. Especialista em Lingüística Aplicada ao Ensino da Língua Portuguesa como Língua Materna. Professora Formadora do CEFAPRO de Sinop-MT
Nenhum comentário:
Postar um comentário